terça-feira, 21 de setembro de 2010

I'm young and I'm underpaid


O que eu não mencionei no post abaixo (o que diz que o meu verão foi super molezinha) é que, como todo jovem universitário americano (eu sei que eu não sou nem americana e nem mais universitária, mas tudo faz parte da minha pesquisa de campo), arrumei um summer job. Como eu fiquei na Flórida mais tempo do que esperava, comecei a me sentir culpada (esse sistema burguês capitalista realmente tem influência sobre mim) e resolvi ir à luta.

Desde que eu comecei a faculdade tenho me especializados em sub-empregos. Já fui vendedora de loja (no Up Fashion Bazar, na Oh, Boy! Com cada blusa custando R$10 tinha que fazer milagre para ganhar comissão), fotógrafa de eventos, três estágios (por melhor que seja, qualquer estágio se encaixa na categoria 'sub', né?): assessoria de imprensa da Editora Zahar, Globo e Centro de Informações da ONU, e o meu preferido - rufem os tambores - animadora de festa infantil! Não posso nem começar a enumerar as situações que passei nesse emprego, mas envolvem me fantasiar de Pequena Sereia no Shopping Leblon. Tá ok?

Isso tudo para demonstrar que, não, não tenho problemas em trabalhar com nada! E, lógico, é sempre bom ver um dinheirinho entrando ao invés de uma enxurrada apenas saindo. Aí eu ia começar a procurar um emprego aqui. Peguei o carro e fui pelas ruas muito agitadas (not) de Fort Lauderdale analisando minhas possibilidades em tempos de crise. Pedi emprego no Friday's, na Blockbuster (essa era a minha maior aposta!), e até para o meu pai (que me veio com a seguinte vaga: secretária temporária. puxa, brigada pai). Depois de perder os critérios de escolha, fui para o shopping e me joguei nas applications.

Eu tinha um grande dilema: emprego no setor alimentício ou no retail (como eles chamas as lojas)? Ser garçonete ou bartender tem o grande benefício das gorjetas, que podem chegar a 20%. Mas eu tenho nojo de tocar na comida dos outros. Imagina... tem gente muito nojenta nesse mundo. Mas aí se eu fosse trabalhar em loja, poderia ser um tiro no pé. Eu sou uma louca consumista sem critérios e freios (me sinto melhor agora que tirei isso do peito). Assim sendo, como já experienciei antes, eu ia acabar comprando tudo da própria loja. Afinal, tem coisas que a gente pode resistir depois de uma visita à loja. Mas se eu achar um vestido bonitinho, e tiver que dobrar exemplares dele todos os dias e me deparar com 30 peças do mesmo no estoque, eu não me controlo.

A ideia era arrumar uma loja que não vendesse nada que eu gostasse e/ou pudesse usar. (Uma vez pedi emprego na Baby Gap em NY. Se bem que com a coleção da Stella McCartney eu bem podia me expremer nuns ítens XXL). Mas depois de um tempo, ansiosa e impaciente como sou, vi que eu não podia ficar escolhendo. O que me levou ao meu 3-week-dreamjob: Abercrombie and Fitch, mes amis.

Eu tenho certeza que não preciso descrever e nem explicar o que é essa loja, visto que os brasileiros são fascinados pela mesma. Cada brasileiro que entrava lá, saía com mais peças que o permitido pela loja - 2o por cliente. Aí eles começavam a dividir entre os amigos... Os gerentes achavam que eles iam revender as peças, mas eles juravam que era pra tia, pros irmãos, pra prima...

Duas semanas antes estava falando mal da com meus amigos: "É, essa loja é muito ridícula, vendem a mesma coisa há séculos, os vendedores se acham a última bolacha do pacote (adoro essa expressão), e ainda é cara!". Pois bem, entrei lá, e aquele cheiro (o perfume é o Fierce, como respondia todos os dias para vários clientes que queriam cheirar como a própria loja) e a música me contagiaram e me levaram ao computador de inscrições.

Dois dias depois, a gerente me ligou e lá fui eu para a entrevista. No carro, pensei: "Putz, eu não sei nada sobre a loja! O que será que eles vão me perguntar?" Pois bem, perguntei ao Google. Ca-ra-cou, tem todos os detalhes lá. Para começar, eles diziam que você deveria vestir algo da própria loja ou da Hollister (que é deles, só mais barata e mais escura). Lá fui eu vestida com um coletinho da American Eagle - maior concorrente. Ok ok... talvez ninguém repare. Aí cheguei lá e tinham mais dois garotos para a entrevista. A gerente pergunta: "Para qual posição você está aplicando?" A minha cara de 'existe mais de uma posição?' entregou meu amadorismo e eu falei, na maior: "Hmmm... para trabalhar aqui?".

O fato é, descobri que existem dois tipos de emprego: Model e Impact. Os dois garotos - diga-se de passagem, já vestidos com o uniforme da loja e parecendo robôs, com respostas decoradas e puxa-sacos - queriam ser models. Eu falei que eu não estava aplicando para ser modelo, pois achei que era modelo mesmo, aqueles semi-nus que estampam as sacolas. Quem sou eu, néam?

Ah, e como meu lindo e maravilhoso irmão Marco foi chamado para trabalhar lá há uns 2 anos (sim, eles convidam clientes que eles achem que se encaixam no padrão), eu liguei pra ele para dicas na entrevista (isso tudo no carro, ao mesmo tempo que dava um google nas perguntas). Li que a Abercrombie é vista como uma loja racista, que responde por diversos processos e que só valoriza o "All-American lifestyle". As coleções e o estilo da loja se baseiam na juventude americana das Ivy Leagues. Mas é claro, como todo o lugar preconceituoso dos Estados Unidos eles têm que tem pelo menos um de cada exemplar: Negro, Asiático e Latino no meio dos loirinhos.

E introduziram a seguinte pergunta nas entrevistas: "O que você sabe sobre diversidade?". Os dois branquelos responderam a mesma coisa, tudo decorado de alguma parte do site da declaração dos direitos humanos ("Ah, é onde tem preto e branco e todos vivem em paz, blá"). Mas também, né? Que pergunta idiota. Sei lá, pô, todo mundo sabe o que é diversidade. Mas seguindo a dica do meu irmão mandei logo: "Ah eu sei muito sobre diversidade, eu venho do Brasil (que é sempre um mistério para os gringos), meu pai é africano (há!!! eu sou afrodescendente E latina, sério... me contratando eles matam metade da cota) e minha mãe mora na Europa. Além do que, venho de NY, que o lugar mais misturado do mundo." Slapt! (entenda essa onomatopeia como quiser, pode ser eu chicoteando a vaga ou a vaga me chicoteando). Fui contratada.


Logo depois eu pensei 'Nossa, que ideia de girico, eu vou embora em menos de um mês!!!' Mas meu pai sempre me disse que esses empregos aqui nos EUA são assim mesmo, não têm nada de contrato, você sai quando quiser, um beijo me liga. Lá fui eu com a maior cara de quem queria começar uma carreira.

Bom, o uniforme (a policy, como eles chamam) consiste de dark skinny jeans + blusa de botão de manga comprida + all star ou chinelos. Sem piercing (eu tive que tirar o meu do nariz), só podia usar um relógio e um brinco pequeno (eu tinha que esconder meu 2o e 3o furo com o cabelo). Sem maquiagem, cabelos naturais. Nada de unhas coloridas - essa foi a pior parte!

Você teoricamente não é obrigado a comprar nada, mas nada que você usa está bom, então é mais fácil logo se render e adquirir as peças usando seu desconto de "associate". Certas peças têm 50% de desconto (duas blusas, um tipo de calça e um chinelo). O resto todo você tem 30%. Comprei duas blusas, o chinelo (meu all star rosa e havaiana preta não faziam parte da cartela de cores permitidas) e a calça, que é a famosa Jegging - Jeans + Legging! A proposta é ela se parecer uma calça jeans, mas ser confortável como uma legging. E é verdade mesmo... enfim, fiquei toda Abercrombie-like. Para os meninos, também é calça jeans escura, all star ou chinelo de couro, cinto de couro e blusa de botão. Mas aí ainda tem os detalhes: as blusas têm que estar perfeitamente dobradas até o cotovelo e "tuck in" na frente.

É o seguinte: a loja que eu trabalhei (Town Center at Boca Raton) tem 3,5 gerentes. Um deles está em treinamento e é claramente escravizado pelos outros. A gente chefe é pequeninha e muito enfezada. A outra é a mais legal (a que me entrevistou) e calma, e o último é o fanfarrão da galera. Explicando: os Impacters são os que trabalham mais no estoque, recebendo as caixas, colocando alarme, dobrando e colocando no lugar certo. Também arrumam toda a loja, penduranto e dobrando as roupas. Os modelos ficam na loja recepcionando e ajudando os clientes, cuidando dos provadores e trabalhando no caixa. Mas eles também são responsáveis por manter a loja arrumada. Todos ganham a mesma coisa (U$7,25/h).

Depois de uma semana dei graças a Deus por sem Impact, o estoque é o lugar mais divertido da loja. Tá, isso pode soar como papo de recalque (afinal, todo mundo sabe que os menos favorecidos ficam escondidos no estoque!), mas acreditem, ficar na porta da loja com um sorriso falso o dia todo falando para todo mundo que entra: "Hey, did you know our Jeans can make you a star?" (*Você sabia que nossos jeans podem fazer de você uma estrela?) não é pra mim. Malandra como sou, arrumei um jeito de montar caixas e baldes como minha cadeira particular lá atrás, que é mais claro e a música é ótima. Para quem nunca foi a uma Abercrombie, a loja é geralmente escura, e com uma música bem alta e estilo-festa. Cada estação tem sua seleção de músicas, a desse verão era ótima (clica aqui e olha as de Julho). Mas sabe quando você já decora até a ordem das músicas? Já emenda o final de uma com o começo da outra. Pois é, ficar na loja o dia todo é meio perturbador. Já o estoque, é um lugar mais liberal, não porque eles queiram, mas geralmente os gerentes não ficam lá, então dá para conversar, enrolar, usar o celular... E as músicas são muito boas, além de variadas, o que é importante para a sanidade da pessoa.

Eu fiz de tudo. Fiquei no caixa, nos provadores, ajudei clientes, organizei estoque, montei manequins... O horário variava, era geralmente de 4 a 6 horas cada turno. Na minha primeira semana fiz um turno de 9 horas e quase morri. Tudo doía... você vai se acostumando a ficar de pé por tanto tempo. O ruim é que os dias mais cheios eram geralmente no fim de semana, claro. Eu não conseguiria ficar por tanto tempo sem meus fins de semana (não depois de ter animado festas infantis e perder toda sexta, sábado e domingo dos meus 1os períodos da faculdade).

Não sabia o que iria encontrar quando começasse a trabalhar lá. Já no primeiro dia, fui com o look policy todo errado, e depois de muitas advertências.... ainda continuava errando! Sempre fui meio rebelde mesmo...
O pessoal, que quando você é cliente parece super amigável e feliz da vida, na verdade é bem mais baixo astral. Todo mundo faz tudo muito devagar, sem muita motivação! As minhas conclusões são que quem vai trabalhar lá espera mais do que é oferecido - começando pelo salário. O salário mínimo (minimum wage) na Flórida é de U$7,25 - exatamente o que é pago pela Abercrombie. Não tenho ideia de quanto os gerentes ganham, mas sei que eles trabalham demais.

Num turno de 5 horas, você pode tirar um break de 15 minutos. Ou de 30, mas aí você tem que "clock out", o que te faz não ganhar por aquela meia hora tirada. No começo eu tirava sempre meia hora, afinal, 15 minutos era o tempo de chegar na Starbucks e pedir o lanche. Mas, vamos lá: um café e um croissant com cream cheese (sempre saudável) dá quase U$7. Se, além de passar uma hora trabalhando para pagar meu lanchinho, ainda perder mais de U$3,5 por ter saído 30 minutos, realmente dá aquele desânimo! Então aprendi a malandragem: ninguém dá clock out, eles saem por 15 minutos e trazem o lanche para o estoque. Até porque se você não registrar, não dá para saber ao certo quanto tempo você ficou lá fora! Alou, Brasil?

Isso ajudou um pouco, mas realmente, se você for contabilizar as horas trabalhadas, o dinheiro com almoço, gasolina.. uiui. É melhor nem contar! E como o dinheiro vem por hora e não por comissão, tudo é em passo de tartaruga. Por isso que no Brasil as vendedoras querem uma relação tão íntima com a gente! Sábias lojas...

O incentivo para (não) trabalhar lá ainda é maior quando a sua incumbência é abotoar aqueles botõezinhos da ponta da gola da blusa social de toda a loja. Geeente, quando eu achei que já tinha sofrido tudo, me vem o gerente com essa maravilha. Tudo bem chegar lá às 6 da manhã (sim, eu disse 6.) alguns dias... tudo bem dobrar a mesa das blusas pólo enquanto as clientes vão desdobrando uma por uma (aparentemente a Small Rosa é diferente da Small Verde)... Tudo bem furar meus dedos colocando alarme nas roupas. Mas isso?!!!

Na minha terceira blusa com botões-desabotoados, eu já me vi atracada com a tesoura esfaqueando a m* da casa que o botão não entrava!!! Sabe? Para ajudar no deslisamento... Quando eu olho pro lado, tá o gerente parado me olhando e balançando a cabeça no ritmo de: eu-não-acredito-que-você-está-fazendo-isso. Mas vocês acham que isso me deteve?! Arrumei uma técnica de dechavamento da tesoura nos bolsos de cada camisa, e voilá. Aí quando acabei todas as blusas da loja, com a cara mais lavada do mundo ele me leva pro estoque, onde estão todas as irmãs (primas, tias, avós) das blusas sociais e fala: "Ainda tem essas.. para o seu trabalho não ser em vão.". Como assim em vão??! Ele acha que por algum momento eu ia pensar que teria sido em vão abotoar aquilo tudo?! Nananinanão! Eu não podia me importar menos com aquelas do estoque! Mas tudo bem... Deus há de me recompensar.

Fora isso, devo dizer que minhas habilidades de dobra de roupa estão muitíssimo desenvolvidas. Cada peça de roupa tem um tipo específico de dobra, com nome e tudo. E é um tipo de dobra para guardar no estoque e outro tipo para colocar para vender. Depois de uma semana eu já tinha decorado tudo, o que facilita bastante o trabalho.



Não posso ser injusta, a loja tem muitas qualidades. Não é a toa que é o sucesso enorme que é. Apesar do estilo ser muito mais-do-mesmo (quantas variações de xadrez azul há no mundo?), as roupas são de excelente qualidade e fazem muito o meu gosto. Mas o que mais me impressionou foi a organização de tudo.

Como existem milhares de Abercrombies pelo mundo, eles fazem questão de manter uma unidade. Todas as lojas têm que se parecer ao máximo. Quando muda a coleção, cada loja recebe uma nova planta, nos mínimos detalhes. Desde onde as novas roupas vão ficar, passando por quantos "exemplares" de cada tamanho devem ser expostos, até a altura que a manga das blusas penduradas devem ser dobradas. O que eu mais gostei de fazer lá foi montar os manequins. Dá trabalho, mas tem instruções de como fazer tudo!


Ah, e eu era uma das mais velhas lá. Esse emprego é mais para o pessoal que está entrando na faculdade. Os menores de 18 anos trabalham na Abercrombie de crianças.

Foi uma ótima experiência, praticamente uma prova do que seria um high school nos EUA. Um falando mal do outro, intrigas, reclamações, organizações de festas-com-id-falsa. Essas coisas da juventude americana! Tinha um pessoal legal, me diverti bastante.

Agora que voltei para NY, estou pensando se vou me aventurar novamente no mundo dos 'underpaids'. Eu sempre achei que levava jeito para dog walker...


Update: Quero registrar aqui que além de tudo, ainda tive que, a milhas e milhas de distância ouvir frases de apoio dos meus amigos brasileiros como: "A Abercrombie foi eleita o pior empregador nos EUA" (quem votou não tá ligado nas políticas do Wal Mart!); e "Deve ser difícil ficar ralando enquanto tem pessoas que ganham dinheiro pra ficar paradas e serem bonitas nos corredores."

7 comentários:

Camila disse...
26 de setembro de 2010 às 08:37  

Te faleeeeeeeeei! Faz Economia comigo que é A boa! Mas nãããão.. quis ser alternativa.. vai ser pobre!
Brincadeirinha! Acho muito válida essa experiência que você teve, na verdade! Fome você não passa, darling!

Guito disse...
26 de setembro de 2010 às 19:19  

hahahahah chorei de rir. vc é mestre em se colocar nessas roubadas.

Eu nunca tive essas experiencias, isso deve fazer a pessoa ficar melhor? bem ahcoq ue não, pq cada vez q eu falo com vc acha q vc piorou, amiga hahahaha

que saudes porra, chega logo.

um bjoooos

Marco Pinho disse...
5 de outubro de 2010 às 00:53  

ninguem merece Abercrombie!! liçāo aprendida...

M disse...
8 de outubro de 2010 às 11:22  

Ola estou indo p ny no final do ano pelo work experience, vc tem msn ?
o meu é mia.aoyama@gmail.com
Abraços

Leo Justi disse...
12 de outubro de 2010 às 13:26  

tu eh foda karen! mt te admiro

Anônimo disse...
13 de outubro de 2010 às 11:29  

seu blog é muito bom karen, keep it up and running!!

João disse...
18 de outubro de 2010 às 12:54  

Muito bom ler esse post e ver que mesmo depois de horas de conversa, sempre há algo novo para ler no blog. Está cada vez melhor de ler.

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